Coelho branco de Alice: por que sempre parece que estamos atrasados?
A produtividade, o ócio, as metas e a falta de tempo na sociedade do cansaço
“[…] também Alice não achou muito fora do normal ouvir o Coelho dizer para si mesmo "Oh puxa! Oh puxa! Eu devo estar muito atrasado!"
Assim como o coelho de Alice no País das Maravilhas, obra de Lewis Carroll publicada em 1865, nós também costumamos acreditar que estamos sempre atrasados para tudo. Quantas vezes ouvimos e falamos a famosa frase: eu não tenho tempo. As 24 horas do dia parecem cada vez mais insuficientes conforme aumentamos a nossa necessidade interna de tempo.
Em um mundo capitalista neoliberal onde tudo funciona com base nas metas, as pessoas tomam remédios para conseguir focar durante mais tempo, ou se viciam na cafeína para continuarem acordados até mais tarde terminando as coisas do trabalho que não foram terminadas anteriormente, é difícil não cair nesse descontrole de achar o dia pequeno demais (e eu não julgo, eu também sou assim).
Além disso, essa sensação de atraso vai para além de um “dia pequeno”, englobando o atraso na vida toda. Vemos pessoas da nossa idade comprando seus próprios carros, casando, entrando na universidade e viajando para lugares paradisíacos, enquanto nós parecemos estar no mesmo lugar de sempre, sem conquistar nada e nem ter o famoso glow up.
Mas afinal, por que sentimos que estamos sempre atrasados?
A Sociedade do Cansaço e o desempenho de produzir
O sociólogo e ensaísta Byung-Chul Han fala em seu ensaio “A Sociedade do Cansaço”, publicado pela primeira vez em 2015, sobre a produtividade, o excesso da positividade e a influência da hiperconexão nas redes sociais. A sociedade do cansaço no livro é aquela sociedade exausta da superprodução, da positividade tóxica e o desempenho exacerbado em foco.
Sempre buscamos fazer mais, precisamos produzir e precisamos ser eficientes. Demandas e mais demandas entram pela nossa porta o tempo todo, e quando vemos, já nos atolamos em compromissos e trabalhos que extrapolam o nosso limite (de tempo e de saúde).
Ultrapassar esse limite gera exaustão, pois não temos tempo para atividades de lazer, e esse é um dos grandes pontos nessa discussão. A impressão que temos é aquela de que tirar um tempo para lazer é atraso. Os coachs motivacionais com suas frases ridículas que dizem “trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles descansam” entram na nossa cabeça, e quando decidimos tirar um tempo de lazer, a sensação de culpa é muito grande. Parece que estamos ficando para trás enquanto as outras pessoas seguem se esforçando.
Além disso, sem o descanso, a exaustão nos impede de trabalhar e de focar. Ficamos esgotados e sem vontade de fazer nada, e quando nos forçamos, acabamos frustrados por não conseguir sair do lugar. Cruzamos a fronteira e acabamos por cair na ansiedade, no Burnout, na depressão e em tantos outros transtornos que nos assolam na sociedade moderna.
As redes sociais e a vida perfeita
Imagine o seguinte quadro: você é uma pessoa normal de vinte e poucos anos, com um corpo que não segue os padrões de beleza da mídia, acordando as 5 horas da manhã para ir trabalhar. Quando abre o seu Instagram, vê que aquela influencer super legal que tem a sua idade postou foto com seu carro novo.
Rolando mais o feed, outra pessoa na rede social posta foto do casamento perfeito com a pessoa dos sonhos. E assim segue, uma linha de postagens de vidas alheias que aparentam ser muito melhores que a sua que fazem você questionar como a vida deles consegue ser perfeita e muito mais confortável.
Provavelmente, imaginar esse quadro não tenha sido nada difícil, visto que essa é a rotina de uma grande parte da sociedade brasileira na faixa dos jovens adultos.
A comparação constante que é instigada nas redes impacta diretamente na nossa percepção do tempo, já que acabamos sentindo que estamos atrasados para “ser alguém na vida”. Caímos no dilema do coelho branco de Alice, que sempre está correndo, atrasado para isso e para aquilo.
“Quem do relógio depende, sua liberdade vende”
Como nem tudo está perdido, ainda existe solução e consolo para essa sensação de que estamos ficando para trás. Sei que é quase impossível sair desse processo turbulento de correr contra o tempo o tempo todo, mas aqui vai um pouco de conforto.
Sei que o sentimento de culpa do descanso é inegável, e sei porque sofro dele. Porém, são nos momentos de lazer que conseguimos nos conectar com nós mesmos e com o mundo ao nosso redor. São nesses momentos que mora a capacidade de ver as coisas com novos olhos, de sentir o físico.
A vida é bem mais que produzir, é sentir, aproveitar com as pessoas que gostamos longe da produtividade, ter hobbies, mesmo que não sejamos bons (afinal, não precisamos trazer a lógica do desempenho para os hobbies, né?). Caminhar, sentir o cheiro de um bolo quente, conversar com os amigos, conhecer lugares dentro da própria cidade (ou da própria casa) também valem a pena.
Quando sentir que o peso de produzir estiver invadindo você, lembre-se que o mundo vai além de demandas e aparências. Você está no lugar que deveria estar, no momento exato, com tudo que deveria ter nessa hora. O resto, a gente deixa com a vida.
Aprendi que não for no meu tempo nada acontece do jeito que EU quero. O mundo não vai acabar, por mais as difíceis se perpétuem, nos sonhos, desejos e conquistas são como nosso filhos. Eu vim com 9 meses, foi o meu tempo, quem dirá o tempo do que eu irei produzir.
caramba, que tapa na cara! me sinto o agostinho carrara naquela cena "não, mas se não for pra ser do meu jeito, não quero de jeito nenhum". às vezes precisamos escutar certas coisas e ler certas coisas pra poder absorver melhor que somos falhos e normalmente buscamos sempre pelo mais, maior, melhor. arrasou, amiga, escrita magnífica!